Reverência às águas sagradas do rio Ganges

Reverência às águas sagradas do rio Ganges

INTRODUÇÃO


Reverência às águas sagradas do rio Ganges e a crença em seu poder de purificar pecados levam milhões ao festival Maha Kumbh na Índia
Milhões de pessoas têm viajado para Prayagraj, uma cidade no estado de Uttar Pradesh, no norte da Índia, para participar do festival Maha Kumbh – um evento que dura seis semanas e teve início em 13 de janeiro de 2025.
Considerado a maior reunião religiosa do mundo, o evento já atraiu 148 milhões de visitantes. A expectativa é que a participação ultrapasse 400 milhões até seu encerramento, em 26 de fevereiro. No entanto, as multidões crescentes já resultaram em dezenas de mortes no local sagrado.
Entre os participantes, há desde magnatas indianos e membros do parlamento até influenciadores de mídia social, estrelas de cinema e celebridades, como a bilionária filantropa Laurene Powell Jobs, viúva do fundador da Apple, Steve Jobs, que faz parte de um ashram em Prayagraj.
Como historiador especializado no rio Ganges e sua ecologia, fico fascinado com a força inabalável da devoção que continua a levar peregrinos a este local sagrado, apesar dos perigos representados pelas multidões e pelo risco de contágio de doenças. Até agora, pelo menos 30 pessoas foram pisoteadas até a morte e outras 60 ficaram feridas em um tumulto ocorrido neste ano.
O banho ritual na confluência de grandes rios sempre teve um significado especial nos rituais hindus. Entre esses locais, o Sangam, em Prayagraj, é o mais reverenciado, pois é onde os rios Ganges e Yamuna se encontram com o lendário Saraswati – um rio mítico invisível, associado à deusa do conhecimento e das artes.
Os hindus acreditam que se banhar na peregrinação de Prayag tem o poder de purificar todos os pecados conhecidos pela humanidade.

Uma ilustração da agitação cósmica do oceano. 245 CMR via Wikimedia Commons, CC BY

O mito por trás do Kumbh


O festival Kumbh recebe esse nome em referência ao jarro celestial ou “kumbha”, que continha o cobiçado “amrita”, o néctar da imortalidade. Segundo a mitologia hindu, na Era da Verdade, asuras (demônios) e devas (deuses) travaram uma intensa batalha pelo controle da fonte da vida eterna.
O oceano cósmico, então, estava repleto de leite, que foi revolvido para extrair o néctar da imortalidade. Inicialmente, os asuras tiveram sucesso, mas sua interferência perturbou Vasuki, a serpente eterna enroscada no núcleo da Terra, liberando um veneno mortal que ameaçava destruir os céus. Quando chegou a vez dos devas, o elixir foi finalmente extraído das profundezas e, ao tomá-lo, conseguiram derrotar os asuras.
Durante essa batalha, quatro gotas do néctar caíram na Terra, consagrando quatro cidades sagradas: Haridwar e Prayag, no norte da Índia, e Nashik e Ujjain, na região central – todas localizadas em confluências de rios.

Uma multidão impressionante


O festival Kumbh também coincide com o ciclo orbital de 12 anos do planeta Júpiter, conhecido como Brihaspati, associado à boa fortuna e à prosperidade.
A edição de 2025 celebra o Maha Kumbh, ou “Grande” Kumbh, um evento raríssimo que ocorre apenas a cada 144 anos, após a conclusão de 12 ciclos regulares do festival. Esse encontro sagrado é celebrado exclusivamente em Prayag.
Gerenciar um evento de tal magnitude representa um desafio imenso para as autoridades locais e nacionais, exigindo uma organização minuciosa para coordenar a chegada e a partida de centenas de milhões de pessoas e abrigá-las em milhares de tendas em uma cidade temporária montada especialmente para o festival.
O evento também se torna uma vitrine da capacidade organizacional do país, mantendo a sacralidade dessa antiga tradição. Para controlar as multidões, foram colocados sacos de areia ao longo das margens do rio e instaladas 2.760 câmeras de segurança para prevenir tumultos e evitar que famílias se separem.
O evento de 2025 foi apelidado de o primeiro Maha Kumbh digital, com polícia e voluntários usando software de inteligência artificial para localizar pessoas desaparecidas e enviar alertas em caso de aglomerações repentinas. Além disso, drones subaquáticos foram implementados para monitorar os banhistas e evitar afogamentos. O governo estadual destinou US$ 765 milhões (64 bilhões de rúpias) para infraestrutura e apoio às forças policiais, equipes médicas e ambulâncias.
Apesar de todos os preparativos, a pressa para conseguir um espaço para o banho ritual no Ganges saiu do controle na madrugada de 26 de janeiro, resultando em um tumulto com várias vítimas. Tragédias assim não são novidade no festival. Em 1954, uma debandada mais grave resultou na morte de quase 800 pessoas. Já em 2013, um tumulto na estação de trem durante o Kumbh levou à morte de 36 pessoas.

O apelo duradouro do festival


Ao longo dos séculos, incontáveis peregrinos se banharam no rio Ganges, movidos pela crença de que suas águas têm o poder de purificar a alma e curar doenças.
Entretanto, a grande aglomeração de fiéis sempre levantou temores sobre contaminação e doenças. No final do século XIX, durante o domínio britânico, autoridades coloniais consideravam o banho ritual em festivais como o Kumbh uma grande ameaça à saúde pública, com receio de surtos de cólera – preocupação que cresceu com o aumento de peregrinos após a chegada das ferrovias em 1860.
Apesar dessas apreensões, poucos surtos epidêmicos foram registrados no festival. Além disso, estudos indicam que as águas do Ganges possuem alta oxigenação e a presença de vírus bacteriófagos, que eliminam bactérias nocivas, fortalecendo a fé na pureza do rio.
A grandiosa celebração do Kumbh e a reverência ao rio Ganges demonstram a interligação entre mito e história no vasto subcontinente indiano. Para milhões de peregrinos, banhar-se nessas águas sagradas representa a esperança de cura e redenção espiritual, tanto nesta vida quanto na próxima.

Texto baseado https://theconversation.com/reverence-for-the-sacred-waters-of-the-ganga-and-belief-in-its-power-to-wash-away-sins-bring-millions-to-indias-maha-kumbh-festival-247676

Deixe um comentário